Para não esquecer...

ANTOLOGIA POÉTICA * 11

Moliceiro deslizando ao longo das salinas
(uma ria à janela)

Sempre abri a janela para o mar,
A ria levava-me e trazia-me a casa
ao anoitecer. A cidade passeava
pela avenida que ondulava de gente
em gente, mas a laguna era a cidade
branca com casinhotas e trilhos no meio
do nada: a cidade que eu queria ser quando
queria ser moliceiro e amarelo pintado,
petisco de fogareiro, nome na madeira
a caminho da barra. Vivi perto de mim
nas avenidas do mar. Fui espuma de uma onda
que rebentou em letras e remo contra e a favor
do vento. Ainda hoje abro as janelas do mar,
Ainda me escondo no branco fundo das salinas,
Mas o marulhar das águas traz à tona
Palavras que sobem sem mim, e eu sou só
Uma mão ao leme à procura do norte para
Me perder nos seus cristais docemente salgados.


[Branco, Rosa Alice. Traçar um nome no coração do branco, Assírio & Alvim,Porto, 2018, p. 41]

escrito por Carlos M. E. Lopes


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