Para não esquecer...

O ELEVADOR


Um elevador é um objeto a que nunca liguei muito
(a não ser aquele tremedor que sinto quando nele embarco, muito semelhante ao que sinto quando entro num avião…). 
É a coisa mais natural num prédio alto. Não necessariamente assim, sempre. No edifício Mira d´Ouro
(será assim?), 
na Julius Nyerere, em Maputo, a coisa fiava mais fino. Aquele elevador tinha feito a guerra colonial, a guerra civil e vive hoje numa relativa paz. E vive à custa da habilidade, sageza e desenrascanço dos porteiros. Ao entrar no prédio, o meu olhar dirigia-se sôfrego para a porta, desejando não ver a vassoura a barrar o caminho ou a placa “fora de serviço…”. Mesmo assim, ao premir o botão esperava, ansioso que a luz se acendesse ao chegar ao meu piso. É que o elevador não tem luz a indicar se vem ou está parado, dentro, não sabemos onde estamos, a porta pode não abrir, pode parar ligeiramente abaixo de onde queremos sair. Enfim, uma viagem é uma aventura. A minha vizinha italiana bem gritava “porca miséria. 30 000 dólares e nem o elevador funciona”.

Aprendi (?) eu que um bem económico, grosso modo, é um objeto que satisfaz uma necessidade humana, raro, mas acessível. Nunca vi uma definição tão verdadeira. Aquele elevador era ouro. É que eu morava no 11º andar, correspondente a 12, e a rua ficava a 182 degraus abaixo. Ou melhor, a porta da minha casa ficava a 182 degraus da rua!

Lá em cima, uma vista deslumbrante sobre a baía. Mas subir 182 degraus, carago?!?! Chegámos cerca das 21 horas
(noite cerrada e já meio da noite. A noite cai às 17,30…), 
cansados. Aprontei-me para levar a rainha ao colo, porque dormia. Avancei, lesto para o prédio. Subi o primeiro degrau, direito à porta do elevador. Depois, bom... depois, foram mais 181 degraus… o piso intermédio foi rápido, em jeito de atleta. No primeiro andar, comecei a sentir as pernas. Coisa de nada. Ao segundo andar, com a porta com figuras hindus, já o fôlego me faltava. Os músculos das pernas já se faziam sentir. Encostei os meus 125 quilos, mais os 12 da transportada, ao corrimão. Isto é um minuto, pensava, enquanto esperava que nenhum atlético vizinho passasse por mim e olhasse com ar de gozo. A mim, parecia-me que os músculos se iriam virar e que deixava cair a carga que transportava. Nunca odiei tanto os cozidos à portuguesa, as feijoadas, as favas com chouriço, os enchidos, o vinho, a cerveja, os whiskys, os doces que comi e bebi. Jurei ali mesmo passar a fazer uma vida saudável, à base de verduras e frutas.

No quinto andar, estava um senhor sentado nos degraus a ganhar fôlego. Fumava para descontrair, dizia ele. Eu, com as tripas em alvoroço e as pernas a recusarem responder a qualquer ordem, encostava-me. Ainda pensei deixar a carga a dormir e os pais que tratassem dela. Já derreado, sem noção de onde estava, cheguei ao 182º degrau. Procurei as chaves. São duas portas. Uma de ferro. Tinha que puxar a porta para ela abrir. Como fazê-lo com a carga humana em cima? Lá me torci e abri as portas. Fui deitar a miúda. Senti-me um herói, suado. Deitei-me sobre a cama. Deu-me fome. Fui à cozinha. Abri uma Laurentina e fiz uma sandes de chouriço. Lembrei-me do que tinha prometido. Pensei: “começo amanhã”.

escrito por Carlos M. E. Lopes

1 comentário(s). Ler/reagir:

paula lopes disse...

mas diz la, valeu a pena subir os 182 degraus para estar naquela terra maravilhosa....